Somos Pobres...Estamos em um Pais Pobre....?
Precisamos de Herois.....Santos Salvadores....?
Uma nova reforma foi feita e, menos de dez anos depois, o hospital tinha capacidade para atender a 300 pacientes.
Em 1983, ampliado novamente, chegou a 800. "A cada década, dobrava de tamanho", afirma Rocha.
"E o hospital não tinha nenhum pré-requisito para atender a qualquer pessoa que batesse na porta. Bastava estar doente e ter necessidade", diz.
"Isso hoje pode parecer algo simples, mas antes do advento do SUS, o acesso à saúde no Brasil não era universal. As pessoas mais pobres não conseguiam atendimento. O colapso social que Salvador viveu no período teria sido muito mais doloroso para a população pobre, muito pior, se não fosse a atuação de Irmã Dulce."
"Ela antecedeu em muitas décadas o papel que o SUS teria no futuro", afirma Rocha.
Atualmente, a organização fundada por Irmã Dulce conta com 21 núcleos e dispõe de 954 leitos hospitalares. Diariamente ali são atendidas 2 mil pessoas.
Por ano, são 2,2 milhões de procedimentos ambulatoriais, 12 mil cirurgias e 19 mil internações, segundo informações fornecidas pela assessoria de comunicação da entidade.
Legado
A Osid também atua em assistência social, ensino em saúde, pesquisa científica, educação do ensino fundamental e preservação memorialística da hoje santa Dulce.
"O legado de amar e servir deixado por Santa Dulce dos Pobres traz uma enorme responsabilidade e um grande compromisso pela sua perpetuação e sustentabilidade.
A nossa cultura institucional, que carinhosamente chamamos 'dulcismo', nos lembra diariamente sobre a missão de acolher os que mais precisam, sempre fiéis a seus princípios e valores", comenta Márcio Didier, o gestor do complexo Santuário Santa Dulce dos Pobres.
Ele ressalta que os números impressionantes que mostram quantos são "acolhidos, tratados e curados" na Osid "só confirmam que esta continua sendo 'a última porta da esperança' para os pobres e excluídos".
"Como legado de amor com inspiração divina, [a religiosa] também se torna referência e inspiração para a criação de outras instituições com foco na caridade cristã", diz Didier.
Rocha conta que começou a mergulhar no universo de Irmã Dulce depois que, como jornalista, acompanhou o evento de beatificação da religiosa, ocorrido em 2011 em Salvador.
Ele ficou impressionado com a manifestação popular na missa campal, que reuniu cerca de 70 mil pessoas.
"Elas ficaram horas e horas em pé em um lugar, um grande descampado, inclusive debaixo de chuva. Chamou-me a atenção que eram pessoas de todos os tipos. Ricos e pobres, brancos e negros, gente de todas as religiões e sem religião nenhuma…", relata.
"Aquela cerimônia, pelo tamanho dela e pela diversidade dos participantes, me fez entender que havia uma história a ser contada."
Foram oito anos de pesquisa. Rocha consultou mais de 10 mil documentos, de arquivos do Brasil, dos Estados Unidos e do Vaticano. Teve acesso aos autos da canonização da baiana e entrevistou cerca de 100 pessoas que conviveram com ela, de anônimos a personalidades como o político José Sarney e o engenheiro e empresário Norberto Odebrecht (1920-2014), amigo e patrocinador de Irmã Dulce por mais de meio século.
"Eles [Dulce e Odebrechet] se conheceram quando ele nem era formado em engenharia e ela ainda uma jovem freira.
Ele foi o grande financiador dela, durante a vida toda.
Essa história disseminada que ela sempre foi financiada pelos pobres é parcialmente verdade.
Ela teve apoio das pessoas mais simples, mas também contava com boas relações institucionais com diferentes governos e grandes empresários.
E isso foi fundamental para que a obra dela deslanchasse", afirma Rocha.
Religião
O biógrafo acredita que a canonização de Dulce seja também um recado do papa Francisco.
"Torná-la santa combina muito com a mensagem do pontificado dele", argumenta. "Essa abordagem dela de cuidar dos pobres… Ao canonizá-la, ele afirma implicitamente que essa dedicação aos pobres é uma característica exemplar daquela Santa.
"O legado religioso de Irmã Dulce é o amor ao próximo, o mais bonito dos mandamentos cristãos. Se a santidade é a mais alta honra que a Igreja Católica confere, transformar ou não alguém em santo é passar uma mensagem de qual é a visão do pontificado para a santidade."
Postulador do processo de canonização de Irmã Dulce junto ao Vaticano — em outras palavras, uma espécie de "advogado" que defende os processos na Santa Sé —, o italiano Paolo Vilotta já admitiu diversas vezes que conhecer a obra da religiosa baiana fez dele também um devoto dela.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele recordou que, em 2010, na primeira das quatro vezes em que esteve ao país para ir à Osid, ele visitou os enfermos atendidos pela instituição.
"Ver com meus próprios olhos o legado deixado pela grande santa, depois de já ter lido suas informações biográficas, fez com que eu me tornasse devoto a ela", comenta.
"Depois, tornei-me postulador [da causa] e isso me honrou, coroou-me de alegria", acrescenta.
"Conheci várias pessoas [que conviveram com a freira] e ouvi muitos testemunhos. Tudo isso me fez ver em Irmã Dulce uma gigante da caridade, uma pessoa muito virtuosa. Ela teve a coragem e a vontade de ser um exemplo de vida e isso me deixou impressionado."
Para o pesquisador e estudioso da vida de santos José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará, a imagem de Irmã Dulce é mais contundente aos olhos atuais por conta de sua contemporaneidade.
Ele escreveu uma biografia dela em seu livro Candidatos ao Altar.
"Todos a vimos. Muitos pessoalmente, outros pelos meios de comunicação ou por seu apostolado. Sendo a primeira santa brasileira nata e contemporânea ela alcançou milhares e milhares de católicos e não católicos, visto que sua ação não via religião, cor ou qualquer outra questão", afirma ele.
"Ela enxergava Deus no irmão e a ele se dedicava como se ao Cristo o fosse."
Essa não distinção entre católicos e não católicos foi visível na festa de canonização, ocorrida na praça São Pedro, no Vaticano, em 13 de outubro de 2019.
Na ocasião, a reportagem conversou com diversos integrantes da comitiva brasileira presente à missa.
E quase um terço dos abordados declaravam-se não católicos — evangélicos, espíritas, candomblecistas, umbandistas e seguidores de nenhuma religião.
Quando perguntados, diziam estar lá porque viam na religiosa uma figura que transcendia o catolicismo, por seu trabalho na saúde pública.
Desnecessário dizer mas praticamente todos tinham alguma história pessoal ou familiar de atendimento hospitalar na Osid.
"Ela foi uma fortaleza. Dedicou-se integralmente aos mais necessitados", acrescenta Lira.
"Sua mensagem poderia ser aquela atribuída a São Francisco, 'eu fiz a minha parte, que o Senhor vos ensine a vossa'. Mas ela foi além: fundou um verdadeiro complexo e eu poderia dizer que a caridade com zelo e amor ao próximo se constituem sua grande mensagem."
'Anjo bom do mundo'
Vice-diretor do Lay Centre em Roma e doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, o vaticanista Filipe Domingues ressalta que o reconhecimento da santidade de Irmã Dulce é importante para o Brasil não apenas pelo fato de ela ser uma brasileira. "Mas porque ela representa a realidade brasileira muito bem", enfatiza.
"Quando a Igreja reconhece a santidade de algumas pessoas, há sempre esse aspecto da representatividade", diz.
"No caso da Irmã Dulce, ela representa a realidade de pobreza e desigualdade que existiu no período dela, existia antes dela e, infelizmente, ainda existe."
Não é à toa, lembra Domingues, que ela recebeu oficialmente a alcunha de "Santa Dulce dos Pobres".
"Ela conseguiu, numa realidade muito precária, dar algum atendimento aos pobres. Alguns falam que ela foi a Madre Teresa brasileira, porque ela fez algo muito parecido: com uma estrutura muito pequena deu atendimento de saúde às pessoas."
Em outras palavras, o trabalho de Irmã Dulce é uma mostra clara de ação social, "em uma das regiões mais pobres do Brasil, em que fica claro o papel da Igreja às vezes entrando para suprir o mínimo onde o Estado falta", comenta o vaticanista.
Rocha lembra que o legado de Irmã Dulce é reconhecido de forma unânime, "por políticos dos mais diferentes partidos". E a canonização deu a ela uma visibilidade internacional. "Isso é muito importante, já que as obras sociais dela continuam cumprindo um papel absolutamente fundamental para a assistência social de Salvador", comenta ele.
O hagiólogo Lira comenta que a religiosa acabou se transformando, "de anjo bom da Bahia para anjo bom do Brasil e, após sua canonização, anjo bom do mundo, com a universalização do culto a ela".
Segundo a sinopse biográfica publicada pelo Vaticano e distribuída durante a missa de canonização, em 2019, Irmã Dulce era uma fonte de caridade "maternal, carinhosa". "A sua dedicação aos pobres tinha uma raiz sobrenatural e do alto recebia forças e recursos para dar vida a uma maravilhosa atividade de serviço aos últimos", diz o texto oficial da Santa Sé, que ainda acrescenta que quando a religiosa morreu, 30 anos atrás, já era uma pessoa "nimbada de grande fama de santidade".
"Com a canonização, Santa Dulce dos Pobres ganhou os altares de todo o mundo e passou a ser conhecida e admirada como exemplo das virtudes cristãs, por católicos de outros países", concorda o gestor do santuário, Márcio Didier. "Como sua obra social tem um caráter humanista, pessoas de diversas religiões se interessam, cada vez mais, por conhecer e ajudar a Osid, se encantando ao saber que, além da saúde, ainda atuamos na educação, na assistência social e espiritual."
"Nada foi fácil na caminhada de santidade de Santa Dulce dos Pobres", acrescenta ele "Diariamente lidamos com diversas dificuldades, mas aprendemos com ela a trabalhar duro, fazer a nossa parte, perseverar e confiar na providência divina e na generosidade daqueles que abraçam a Osid como os doadores e sócios-protetores. Neste tempo de pandemia, os relatos de graças alcançadas, os pedidos e os agradecimentos pela palavra de esperança em tempos de tanta incerteza e dor nos dão a certeza de que o Brasil e o mundo precisavam de mais esta intercessora no céu."
Neste domingo, às 8h30, haverá uma missa especial no Santuário Santa Dulce dos Pobres. "Iremos recordar o trânsito, a morte [da religiosa], e agradecer por esses 30 anos de presença entre nós, sendo inspiração constante para todos os que, diariamente, fazem acontecer seu maior milagre: suas obras sociais", afirma Didier.
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