Primeiramente, esse
texto não busca representar todas as mulheres evangélicas.
Seria pretensão demais da nossa parte já que, como a
pluralidade das mulheres na sociedade, dentre as que se reconhecem
evangélicas, há também uma pluralidade de formas de se entender mulher e de
reconhecer Deus.
Diferente dos homens religiosos, que historicamente
tentaram impor uma ideia única e inegociável de Deus, as mulheres apresentam
um Deus plural, possível e acessível que se revela a partir da experiência
corpórea, espiritual e social de cada uma delas.
Escrevemos agora para celebrar a vida das mulheres
evangélicas que, a despeito de toda força doutrinadora do patriarcado
cristão, têm se redescoberto ao redescobrirem a bíblia com a lente
feminista. Mulheres que sustentam suas igrejas e que se cansaram do lugar da
submissão, da desonra, da invisibilidade e do silenciamento.
Mulheres que já não aceitam a fé que as subjugam,
mas que encontraram em Jesus a fé que propõe a elas, libertação de toda
opressão e protagonismo no que Deus pode fazer através de nós.
Mulheres que lendo o livro de juízes se depararam com
a história de Débora, sacerdotisa, que num tempo quando não existiam
reis, foi colocada por Deus como Juíza, máxima autoridade sobre todo o povo
de Israel.
Não apenas guerreou numa batalha épica que nenhum
homem teve coragem de enfrentar, como impediu o povo de ser escravizado sendo
um dos nomes mais importantes na história de libertação do povo hebreu – “e
a terra teve paz durante quarenta anos” Juízes 5:31B.
Mulheres que veem nessa história um Deus que não tem
problema nenhum de colocar mulheres em lugares altos e que não pede que elas
se submetam aos homens, mas que as exalta e as coloca em posição de
liderança e revelação.
As mulheres
evangélicas não querem mais ser obedientes porque entenderam que a ideia de
obediência da mulher cristã é fruto de uma política de dominação e
controle e que nada tem a ver com a proposta libertadora de Jesus.
Queremos celebrar as mulheres que têm olhado para
histórias bíblicas como a de Agar, mulher negra, africana, escravizada,
violada, grávida e desamparada; e têm compreendido o importante debate a
respeito da solidão das mulheres negras e da realidade de mulheres racializadas
num país que objetifica e segue tratando os corpos negros como mercadoria,
objeto a ser comprado e vendido, a ser usado e eliminado.
Mulheres negras evangélicas que diante do ardor das
lutas para se manterem vivas e no auge da dor da invisibilização, oram a
oração de Agaruando a igreja não enxerga, : “ Tu és Deus que
me vê.” GN 16:13.
Quando o Estado não enxerga, quando os homens não
enxergam, q “Tu és o Deus que me [nos] vê!”
Festejamos por cada mulher evangélica que, tendo
vivido situações de violência sexual e assédio (inclusive dentro de
espaços religiosos) e que apesar de muito feridas, encontraram na história de
Susana – contada no livro do profeta Daniel – que, curiosamente, foi retirada
da bíblia evangélica, mas que mesmo diante deste boicote, tem sido descoberta
por tantas de nós – inspiração divina para romper com o silêncio, pra fazer
denúncias e pra acabar com os ciclos de abuso denunciando as violações aos
nossos corpos.
Susana que foi vítima de uma armação de dois
“homens de bem”, pais de família, anciãos conhecedores das leis, que diante
da recusa em se deitar com eles, foi condenada à morte mas que sobreviveu
porque Deus levantou um profeta que expôs a mentira e conspiração dos homens
e reverteu a sua sentença.
Quantas de nós não temos feito a mesma oração que
ela: “Deus eterno, vós que penetrais os segredos, que conheceis os
acontecimentos antes que aconteçam, sabeis que isso é um falso testemunho que
levantaram contra mim.
Vou morrer, sem
nada ter feito do que maldosamente inventaram de mim”. Daniel 13:42-43 (bíblia
de Jerusalem).
As mulheres evangélicas não querem mais ser
obedientes porque entenderam que a ideia de obediência da mulher cristã é
fruto de uma política de dominação e controle e que nada tem a ver com a
proposta libertadora de Jesus e nem com as mulheres presentes na narrativa
bíblica.
É olhando para essas histórias, e tantas outras, que
não nos curvamos mais a uma teologia patriarcal que para manter o status quo,
a desigualdade e um projeto de poder, reproduz ideias de submissão,
obediência e silêncio.
Ao contrário do que está posto nas instituições
religiosas e no imaginário do militante, as mulheres evangélicas querem
continuar fazendo parte das revoluções do tempo atual como fizeram parte as
que vieram antes de nós, no tempo bíblico, nos tempos de luta por direitos
civis – Rosa Parks, nos tempos de luta por direito à terra – Margarida Alves,
nos tempos antidemocráticos da ditadura e de redemocratização – Benedita da
Silva, nos tempos de luta por abolicionismo – Sojourner Truth, e de tantas
outras que ainda hoje reivindicam seu lugar de filhas amadas de Deus e agentes
ativas da promoção de um reino de paz, justiça e amor.
Nesses dias de marcha pela vida das mulheres, mulheres
cristãs, de diversas denominações e confissões, saíram às ruas com seu
corpo e sua fé para marcar mais um momento na nossa história.
Num tempo de Deus acima de todos, reivindicamos um
Deus que está entre as mulheres e se faz presente no corpo de cada uma de
nós.
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